Na tarde hoje, dia 1° de Outubro,
no Salão de Atos do Conjunto III do Centro Universitário Franciscano,
a professora e doutora Adriana Dornelles Carpes, do curso de Farmácia, reuniu reflexões extremamente importantes para
a formação acadêmica, no que diz respeito à “Abordagem sistêmica no cuidado à
saúde”, tema da palestra. O evento dá continuidade às atividades do XVIII Simpósio
de Ensino, Pesquisa e Extensão (SEPE), que iniciou hoje (confira a programação aqui).
O que quer dizer
abordagem sistêmica?
A história da “Abordagem sistêmica”
nasceu com Ludwig Von Bertalanffy, biólogo austríaco, que propôs o termo
abrindo para uma ideia de estudo e pesquisa na ciência, contrapondo princípios
da visão cartesiana, que diz que todo objeto de estudo deve ser isolado o
máximo possível para observar todos fenômenos em torno deste em específico. Assim,
pesquisa tem que ser algo restrito ao objeto pesquisado. Porém, Ludwig afirma
em sua “Teoria Geral dos Sistemas” que, quando este objeto não está isolado dos
meios, ele também apresenta outras respostas.
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Adriana Dornelles/Foto: Divulgação |
Ele sugeriu que se deve estudar sistemas
globalmente, de forma a envolver todas suas interdependências, pois cada um dos
elementos, ao serem reunidos para constituir uma unidade funcional maior, desenvolvendo qualidades que não são visíveis quando analisados de forma isolada.
Nessa perspectiva, a professora acredita que "no processo formativo, sempre há uma ideia do ponto de chegada. A vida traz incertezas, e frequentemente o trajeto necessita de mudanças. O profissional é um eterno aprendiz, estando sempre no processo de construção do conhecimento.”
Cuidados com a saúde
A professora Adriana Carpes diz que falar de saúde e doença,
é falar de condição de vida no dado momento do sujeito. E isso teve variação ao
longo das épocas. Na idade média, as doenças eram associadas a causas
sobrenaturais, ligadas diretamente à religião, que explicava esse processo de
adoecimento vinculado a fenômenos da natureza, como os astros.
Logo, com o surgimento da filosofia, que
visa a compreensão da existência, buscou-se a explicação desses problemas e
sobrepujou-se as respostas do que era justificado pela religião. Assim, a
filosofia assumiu um status maior da explicação dos problemas de saúde.
Já na idade moderna e contemporânea,
entrou a visão cartesiana nos processos que envolviam o adoecimento, e a
religião foi descartada como causa explicativa das doenças. Essas três épocas
exemplificadas mostram que sempre houve um caráter detentor da verdade na
condição de explicar esses processos de adoecimento.
Quais os ganhos da
racionalidade da ciência?
Conforme a palestrante, a racionalidade da ciência acompanha a
evolução da sociedade há muito tempo. O surgimento do fogo na pré-história, por
exemplo, representou um significativo ganho nas atividades diárias do homem,
aumentando, inclusive, sua expectativa de vida. A ciência, apesar de
desconhecida, estava presente nos modos de obtenção de fogo até o seu emprego,
que justificam os consideráveis ganhos na época, como o declínio de infecções
alimentares (pois os alimentos passaram a ser cozidos e assados, não mais crus),
o aumento da defesa contra outras tribos e predadores, a ajuda no combate ao
frio e a luz durante a noite.
Em contrapartida, Adriana nos traz para uma época totalmente distinta, onde podemos citar o surgimento da Penicilina em 1929, pelo escocês AlexanderFlaming. Trata-se do primeiro antibiótico que se tem relato, ajudando
consideravelmente no tratamento de doenças, sendo um fungo que interage com os
micro-organismos bactericidas, inibindo sua atividade e, consequentemente,
protegendo a pessoa. A mais pura ciência sendo aplicada nos cuidados à saúde.
Abordagem sistêmica no
cuidado à saúde
Adriana Dornelles destaca que "o complicado objeto do nosso cuidado são
as pessoas, sendo necessário refletir certas posturas que estamos tendo. Os profissionais
de saúde não estão contemplando a abordagem sistêmica. Se a pessoa é nosso
objeto, devemos destinar à ela todo conhecimento, buscando melhorar todas suas
condições. E não deve-se esquecer que este ser é multi-dimensional,
necessitando de muita atenção, como a fatores psicológicos, sociais,
espirituais e biológicos."
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Palestra foi o segundo evento do XVIII SEPE
Foto: Ezekiel Dall'Bello |
Partindo de tal pressuposto, considerando
que a saúde é a interação de várias dimensões humanas, como estilo de vida,
bens e serviços, biologia e ambiente, levantamos questionamentos, ela questiona: " Será que a
formação do profissional da saúde está abordando todas essas dimensões, inerentes
ao tratamento das pessoas?"
Para a professora é preciso "abrir a cabeça" para todas
possibilidades a fim de compreender a ciência da saúde humana, cedendo espaço na
mente para a compreensão daquilo que vai além do ofertado pela faculdade. Segundo ela, os processos
de hoje podem não ser os mesmos de amanhã. É indescritível e, em parte, inimaginável a mudança epidemológica da sociedade em três décadas. "Se há 30
anos atrás as crianças morriam desnutridas, hoje sofremos com a obesidade. Será
que o profissional que se formou da década de 70 está apto, apenas com sua formação,
para tratar com a obesidade? Será que esse problema era estudado na formação acadêmica
da época?", questiona.
Para Adriana, a resposta se dá através da
multidisciplinariedade (uma matéria complementando a outra) e logo, por meio da
interdisciplinariedade (pensar junto os diferentes conteúdos). E defende ser irracional a “parte” representar o “todo”, pois antes do médico ser
especialista, ele era um “generalista”, conhecedor de várias matérias. Hoje, domina
e admite, em muitos casos, apenas sua especialização. "Onde se perdeu esse
profissional completo? Os seis anos da graduação foram jogados fora, trocados
pelos dois de especialização?", indaga.
O “X” da questão
O que Adriana Carpes tenta traduzir
é que a abordagem sistêmica visa impedir que os profissionais se formem ou
continuem atuando com as mentes fechadas para outros campos ou para as diversas
dimensões que situam o ser humano. As consequências, segundo ela, é a limitação
das atividades do conhecimento e, particularmente, do tratamento de doenças e
cuidados com a saúde. Bem como, ainda, a dificultação de ampliar os horizontes
nos campos de conhecimento estudados ou à restrição de alguma atividade por sua
segmentação.
Para finalizar o alicerce da abordagem
sistêmica nos cuidados com a saúde, utilizou-se a palestrante de valiosos conceitos
de escritores que conseguem sintetizar referida linha de pensamento, dos quais se segue Edgar Morin, esclarecendo o que há de vago e resumindo o que já é preciso.
“...Efetivamente, a inteligência que só sabe
separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os
problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de
compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento
corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência para tratar nossos
problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos...” (MORIN, 1999, p. 13 a 14)
No trecho acima, Morin afirma que a ciência segmentada limita o
entendimento das questões fundamentais que norteiam nossa existência,
caracterizando-a não como uma solução, mas como um problema de pensar frente ao
problema enfrentado, seja de saúde ou social. Abaixo, o autor ratifica tal
afirmação ressaltando que a ciência, a despeito de seu profundo estudo,
especialização e pesquisa, nem sempre é enquadrada como fator benéfico à
sociedade, mas também um limitador a esta, que por vezes se vê refém de um ou outro
profissional, pois o conhecimento é monopolizado e não-conjuntural.
“...Assim,
os desenvolvimentos disciplinares das ciências não só trouxeram as vantagens da
divisão do trabalho, mas também os inconvenientes da superespecilização, do
confinamento e do despedaçamento do saber. Não só produziram o conhecimento e a
elucidação, mas também a ignorância e a cegueira...” (MORIN, 1999, p. 14)
Por Ezekiel Dall'Bello.