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terça-feira, 13 de junho de 2017

Acupuntura: impasses dentro e fora do campo científico

Considerada uma terapia alternativa em alguns círculos e uma especialidade médica em outros, a acupuntura divide opiniões entre médicos e praticantes. Mesmo assim, a técnica cresce a cada dia com a promessa de alívio de dores e outros problemas de maneira alternativa e indolor. Para compreender melhor as diversas questões acerca dessa prática é importante entender sua origem.
A acupuntura é parte da medicina tradicional chinesa, a data exata de seu uso não é conhecida, mas estima-se que tenha ocorrido há mais de 2000 anos atrás. A técnica consiste na inserção de agulhas a fim de estimular diferentes terminações nervosas, para aliviar ou sanar dores e inflamações. A técnica também é utilizada para quadros de estresse e depressão.
No Brasil, a prática foi introduzida por imigrantes chineses e  japoneses, na metade do século passado, o primeiro marco da acupuntura no país, aconteceu em 1958, quando foi fundada a Sociedade Brasileira de Acupuntura e Medicina Oriental. Somente em 1998, no entanto, que a terapia foi reconhecida pela Associação Médica Brasileira, mas manteve o estigma de crendice em alguns círculos da medicina.
Os meridianos, representados em publicação
 tradicional
Foto: reprodução
Por ser baseada na medicina oriental tradicional, a acupuntura segue preceitos diferentes da medicina ocidental, como o qi e os meridianos, que são basicamente a energia vital que transcende a natureza química e os caminhos pelos quais ela percorre, respectivamente. Ambos conceitos que não são reconhecidos pela medicina ocidental. Além disso, a maioria das pesquisas científicas sobre a técnica são recentes, esses fatores levaram a acupuntura a ser muito ligada ao efeito placebo, por médicos e céticos em geral.
É o caso de um estudo de 2013, feito pela Dra.Ting Bao, da universidade de Maryland, e publicado na revista Câncer, que relacionou a acupuntura diretamente ao efeito placebo. O estudo foi feito com 47 pacientes com câncer de mama. Elas foram divididas em dois grupos, 23 iriam fazer sessões de acupuntura real, em que as agulhas de fato seriam inseridas em pontos de pressão reconhecidos na técnica oriental, e 24 iriam fazer acupuntura “falsa”, com as agulhas inseridas em áreas aleatórias que não apresentavam risco, as pacientes não tinham ciência dessa divisão.
Durante 8 semanas, as pacientes foram questionadas em relação à possíveis alívios nos efeitos colaterais das drogas usadas no tratamento do câncer. Pacientes de ambos os grupos afirmaram sentir melhoras após as sessões de acupuntura, o que levou a Dra.Ting a concluir que, nesse caso, não existiu diferença empírica entre acupuntura “real” e “falsa”, mas a médica concluiu o estudo afirmando que não existem efeitos colaterais à prática da acupuntura. Outras pesquisas, publicadas no British Medical Journal, também concluíram que os efeitos da acupuntura para o tratamento da dor são mínimos e/ou diretamente ligados ao efeito placebo.
Como conclusões científicas não são verdades absolutas, mas sim resultados de diferentes metodologias aplicadas em diferentes amostras, um mesmo número de estudos científicos comprovando a eficácia da acupuntura para diversos problemas, vêm surgindo nos últimos anos.
Um exemplo, é a descoberta de melhoras em pacientes com hipertensão leve ou moderada, que não estavam medicados, em um estudo feito utilizando a eletroacupuntura - quando são utilizadas pequenas descargas elétricas nas agulhas - em 65 pacientes. Eles tinham suas pressões arteriais monitoradas 24 horas por dia e sessões de 30 minutos de acupuntura, uma vez por semana, durante 8 semanas. Ao final do estudo, foi observado que 70% dos pacientes apresentaram melhoras após as sessões. A pesquisa foi feita na Universidade de Irvine, na Califórnia, em 2015.
Independente do consenso científico, no entanto, a acupuntura é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como possível tratamento de 68 doenças diferentes, para comparação, na medicina tradicional chinesa, são 350 o número de enfermidades catalogadas como tratáveis pela técnica. Também existem precedentes da técnica sendo utilizada junto à métodos da medicina tradicional, como analgesia -alívio da dor- pré-cirúrgica e para dores de parto normal, por exemplo.
A acupuntura também ganha muita popularidade pelo boca-a-boca daqueles que a utilizam e não conseguem resultados com terapias tradicionais. Foi o que aconteceu com a dona de casa, Jussara Kontze, ela conta que sofria de dores na lombar e, depois de tentar sem sucesso combater a dor com fisioterapia e anti-inflamatórios, foi recomendada por uma amiga a tentar à acupuntura. Nas primeiras semanas ela notou melhora nas dores, e após 6 meses elas sumiram completamente, quando ela parou com o tratamento. Um tempo após a parada no tratamento, no entanto, ela relatou que as dores começaram a voltar, e que deve retornar ao tratamento.
Jussara fez o tratamento em uma clínica particular, mas a acupuntura também é coberta no sistema público. No Sistema Único de Saúde (SUS), a acupuntura começou a ser uma opção em 1988, sendo utilizada para o tratamento de dores musculares, enxaqueca e cólica menstrual. Mas só a partir de 2006, devido à implantação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, que os profissionais não-médicos da área começaram a poder exercer a acupuntura no SUS. Isso ocorre devido ao fato de não existir uma lei federal que especifique quem pode, ou não, praticar a acupuntura. Na prática, a maioria dos profissionais da área são fisioterapeutas, quiropratas ou médicos.
Não seria assim se dependesse dos médicos que têm interesse na acupuntura, no entanto, e vêem nela uma especialidade médica, ou seja, algo que só poderia ser exercido por profissionais da medicina.
Fernando Genschow, que é secretário-geral do colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA), afirma que a técnica é uma especialidade terapêutica que demanda profissionais capazes de estabelecer diagnósticos em pacientes, o que legalmente, só pode ser feito por médicos, veterinários e dentistas.
A prática da acupuntura, portanto, seria limitada a esses profissionais e apenas não é, devido à falta de leis específicas. Ele afirma que a prática da acupuntura por profissionais que não se encaixam nessas categorias, pode ser arriscada.
Ponto de vista não compartilhado por Sohaku Bastos, presidente da Federação Brasileira das Sociedades de Acupuntura e Práticas Integrativas em Saúde, ele defende que a prática da acupuntura, da maneira como ocorre hoje, é legítima, embora careça de uma legislação federal.
Uma outra questão mencionada, é o fato da acupuntura nascer da medicina tradicional chinesa, em que as técnica para se fazer o diagnóstico são diferentes da medicina ocidental, portanto, um profissional da acupuntura estaria sim apto a diagnosticar um paciente, mesmo que não aos moldes da medicina ocidental e que não existe qualquer risco na prática da acupuntura por profissionais não-médicos.
O fato de ambos os profissionais terem citado uma legislação mais específica não é coincidência, há mais de uma década, duas propostas de lei tentam modificar quem pode ou não praticar a acupuntura. A PL 268, de 2002, parte do chamado Ato Médico, pretende tornar a acupuntura uma exclusividade de médicos e aguarda ser aprovada pelo Senado. Enquanto a PL 1549, de 2003, aguarda o parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CJJC), e tem como objetivo solidificar a acupuntura como uma prática que não é exclusiva da classe médica.
Com controvérsias no campo científico, profissional e legislativo, é difícil chegar à uma conclusão a respeito dessa técnica milenar. O que é inegável, é que as constantes pesquisas sobre o assunto só tem a somar para o conhecimento da prática, o que, idealmente, deve formar melhores profissionais. Quanto às leis, da maneira que as coisas são, não seria exagero pensar que elas podem ficar mais uma década tramitando.

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