A matéria de Mónica G. Salomone, originalmente publicada no site espanhol Materia,que traz artigos e reportagens sobre ciência e tecnologia e traduzida no Opera Mundi, revela o tensionamento entre os diferentes campos e a complexidade que as relações assumiram no mundo midiatizados. Confira!
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A cidade de Aquila ainda se recupera. Foto: Roberto Taddeo, Opera Mundi |
Lechner dirige o Instituto para a Proteção e Segurança do Cidadão (IPSC), na cidade italiana de Ispra, um dos sete centros do principal órgão de assessoria científica da Comissão Europeia, o Joint Research Centre (JRC). Ele foi um dos organizadores do debate intitulado “Ir para a cadeia por ser um cientista?”, realizado na feira de ciência europeia ESOF, em Copenhagen, no fim de junho. Além de Lechner, participaram Anne Glover, chefe da assessoria científica da presidência da Comissão Europeia, e especialistas em comunicação de riscos.
“Este debate é a prova de que o caso de Áquila influenciou muito na forma como comunicamos o que sabemos e como nos relacionamos com a sociedade, através de políticos e jornalistas”, disse Lechner. “Queremos chegar a outros cientistas, para que também reflitam sobre suas palavras quando lhes pedirem uma opinião”.
O terremoto de Áquila aconteceu no dia 6 de abril de 2009. Dias antes, um grupo de especialistas tinha sido convocado para a região – que já há algum tempo passava por uma crise sísmica – para informar sobre o risco para a população. Em outubro de 2012, um juiz condenou esse grupo e um funcionário do governo a seis anos de cadeia, um castigo ainda mais duro do que pedia a acusação, e contra o qual os cientistas apelaram. A sentença diz que o conselho que os especialistas deram ao governo italiano e à população foi “vago, genérico e ineficiente”.
“Para nós, a sentença foi uma surpresa total”, diz Lechner. “Funcionou como um alerta que nos advertiu que algo que nunca acreditamos que fosse possível pode de fato acontecer. Nos fez pensar nas consequências que nosso trabalho pode ter em nossas vidas, e nos faz repensar nosso papel como cientistas”.
No IPSC, um departamento inteiro de cientistas trata de prever se o sistema financeiro europeu pode falhar. Também analisam a segurança na internet e modelam tsunamis. “Sabemos que basta uma pequena diferença em uma onda para que seus efeitos mudem drasticamente”, aponta Lechner. “Dessa forma, se alguém erra um algoritmo, o que acontece, nos processam? Antes do caso Áquila, eu teria respondido ‘ claro que não’; agora já não sei mais”.
O IPSC conta com 300 cientistas de várias áreas e mantém contatos estreitos com a comunidade científica através de seus mais de 200 sócios colaboradores. Segundo Lechner, “falamos com políticos praticamente todos os dias, e quase toda semana nos pedem uma opinião concreta sobre um tema”. O JRC em conjunto emprega mais de três mil cientistas.
“A sociedade pede nossa opinião em temas que vão das tempestades solares ao fracking; das nanopartículas à segurança dos edifícios em terremotos”, diz Lechner. “Existe o risco de que muitos cientistas deixem de responder quando se lhes solicita uma opinião sobre sua experiência; muitos já deixaram de falar com a imprensa. Que utilidade tem isso para a sociedade?”
O IPSC não mudou formalmente sua forma de trabalhar, mas agora é muito mais rigoroso com a orientação a seus cientistas: ninguém fala com jornalistas a não ser através da assessoria de imprensa do instituto – o próprio Lechner deverá informar sobre a entrevista que concedeu para esta matéria: “Agora somos muito mais cuidadosos com o que dizemos; não falseamos nada, é claro, mas somos muito mais conscientes sobre os riscos de passar uma mensagem equivocada. Desde então, dissemos aos cientistas que sempre devem evitar dizer que há um ‘risco zero’”.
Durante o debate mencionou-se o problema clássico de comunicação entre cientistas e políticos: os primeiros devem ser precisos e falar em termos de probabilidade; os segundos precisam de um ‘sim’ ou de um ‘não’ para tomar decisões. Glover se solidarizou com os cientistas: “Pedem que façamos previsões sobre processos que não são lineares, que podem sofrer mudanças bruscas totalmente imprevisíveis”.
Os especialistas em comunicação de riscos deixaram alguns conselhos, como ser respeitosos com o público, que não é ignorante e é capaz de entender rankings de probabilidade quando eles são expostos claramente, sem tecnicismos; não ser paternalista, e passar a mensagem de forma que, munido da informação, o público possa decidir livremente; e nunca falar em ‘risco zero’.