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quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Cientistas temem processos judiciais por equívocos em avaliações de risco

A matéria de Mónica G. Salomone,  originalmente publicada no site espanhol Materia,que traz artigos e reportagens sobre ciência e tecnologia e traduzida no Opera Mundi, revela o tensionamento entre os diferentes campos e a complexidade que as relações assumiram no mundo midiatizados. Confira!
A cidade de Aquila ainda se recupera. Foto: Roberto Taddeo, Opera Mundi

Lechner dirige o Instituto para a Proteção e Segurança do Cidadão (IPSC), na cidade italiana de Ispra, um dos sete centros do principal órgão de assessoria científica da Comissão Europeia, o Joint Research Centre (JRC). Ele foi um dos organizadores do debate intitulado “Ir para a cadeia por ser um cientista?”, realizado na feira de ciência europeia ESOF, em Copenhagen, no fim de junho. Além de Lechner, participaram Anne Glover, chefe da assessoria científica da presidência da Comissão Europeia, e especialistas em comunicação de riscos.
“Este debate é a prova de que o caso de Áquila influenciou muito na forma como comunicamos o que sabemos e como nos relacionamos com a sociedade, através de políticos e jornalistas”, disse Lechner. “Queremos chegar a outros cientistas, para que também reflitam sobre suas palavras quando lhes pedirem uma opinião”.
O terremoto de Áquila aconteceu no dia 6 de abril de 2009. Dias antes, um grupo de especialistas tinha sido convocado para a região – que já há algum tempo passava por uma crise sísmica – para informar sobre o risco para a população. Em outubro de 2012, um juiz condenou esse grupo e um funcionário do governo a seis anos de cadeia, um castigo ainda mais duro do que pedia a acusação, e contra o qual os cientistas apelaram. A sentença diz que o conselho que os especialistas deram ao governo italiano e à população foi “vago, genérico e ineficiente”.
“Para nós, a sentença foi uma surpresa total”, diz Lechner. “Funcionou como um alerta que nos advertiu que algo que nunca acreditamos que fosse possível pode de fato acontecer. Nos fez pensar nas consequências que nosso trabalho pode ter em nossas vidas, e nos faz repensar nosso papel como cientistas”.
No IPSC, um departamento inteiro de cientistas trata de prever se o sistema financeiro europeu pode falhar. Também analisam a segurança na internet e modelam tsunamis. “Sabemos que basta uma pequena diferença em uma onda para que seus efeitos mudem drasticamente”, aponta Lechner. “Dessa forma, se alguém erra um algoritmo, o que acontece, nos processam? Antes do caso Áquila, eu teria respondido ‘ claro que não’; agora já não sei mais”.
O IPSC conta com 300 cientistas de várias áreas e mantém contatos estreitos com a comunidade científica através de seus mais de 200 sócios colaboradores. Segundo Lechner, “falamos com políticos praticamente todos os dias, e quase toda semana nos pedem uma opinião concreta sobre um tema”. O JRC em conjunto emprega mais de três mil cientistas.
“A sociedade pede nossa opinião em temas que vão das tempestades solares ao fracking; das nanopartículas à segurança dos edifícios em terremotos”, diz Lechner. “Existe o risco de que muitos cientistas deixem de responder quando se lhes solicita uma opinião sobre sua experiência; muitos já deixaram de falar com a imprensa. Que utilidade tem isso para a sociedade?”
O IPSC não mudou formalmente sua forma de trabalhar, mas agora é muito mais rigoroso com a orientação a seus cientistas: ninguém fala com jornalistas a não ser através da assessoria de imprensa do instituto – o próprio Lechner deverá informar sobre a entrevista que concedeu para esta matéria: “Agora somos muito mais cuidadosos com o que dizemos; não falseamos nada, é claro, mas somos muito mais conscientes sobre os riscos de passar uma mensagem equivocada. Desde então, dissemos aos cientistas que sempre devem evitar dizer que há um ‘risco zero’”.
Durante o debate mencionou-se o problema clássico de comunicação entre cientistas e políticos: os primeiros devem ser precisos e falar em termos de probabilidade; os segundos precisam de um ‘sim’ ou de um ‘não’ para tomar decisões. Glover se solidarizou com os cientistas: “Pedem que façamos previsões sobre processos que não são lineares, que podem sofrer mudanças bruscas totalmente imprevisíveis”.
Os especialistas em comunicação de riscos deixaram alguns conselhos, como ser respeitosos com o público, que não é ignorante e é capaz de entender rankings de probabilidade quando eles são expostos claramente, sem tecnicismos; não ser paternalista, e passar a mensagem de forma que, munido da informação, o público possa decidir livremente; e nunca falar em ‘risco zero’.
Tradução:Mari-Jô Zilveti
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3 comentários:

alinguadeluana disse...

A reportagem acima nos suscita a pensar sobre um tema polêmico: culpar ou não os cientistas por catástrofes? É preciso lembrar que cientistas são estudiosos, que buscam soluções para resolver muitos problemas da sociedade. Em alguns casos, podem até prever catástrofes a partir de suas hipóteses. No entanto, eles não são videntes, muito menos deuses detentores do poder e da verdade.
Não podemos colocar todas as nossas expectativas em cima do trabalho de anos e de muitas vezes hipóteses. Mesmo que se façam experiências sejam feitas várias vezes, ao se passar para a vida real, existirão variantes que podem modificar os resultados. Além de que, quando se trata de fenômenos meteorológicos, tudo pode acontecer.
Não será com prisões que a ciência evoluirá da maneira que os chefes de estado pretendem – ao ponto de cientistas fazerem previsões, mas sim a partir do apoio e financiamento de mais pesquisas.
Luana Iensen

Fabiana Lemos disse...

A ciência tem uma colaboração imensurável para o nosso cotidiano e pode nos ajudar a prever fatos e acidentes. Os cientistas procuram estudar pelo desenvolvimento de algo, então se confirma o que imaginamos sobre o papel deles na sociedade. Porém acredito que não é possível julgá-los como os culpados por uma catástrofe que provém da natureza. Penso que o erro grave no caso da matéria seja de comunicação, porque previsão pode falhar. O erro esteve em informar com equívoco, em não deixar claro que havia probabilidade de mudanças bruscas na previsão.
Com relação ao diálogo entre cientistas e jornalistas, penso que deve haver uma compreensão de ambos. A linguagem técnica utilizada pelos cientistas muitas vezes é rebuscada e dificulta a compreensão do profissional comunicador. Mas creio que esse não seja o maior problema: pior é quando os cientistas não fazem questão de divulgar suas pesquisas pela relação complicada com a mídia, pela concorrência com os colegas (e, assim, medo de expor informações alcançadas por eles próprios) e outros motivos. Ou quando os jornalistas querem deixar a matéria tão clara que acabam distorcendo informações, resumindo ao ponto de deixar o texto "raso" ou deixando de esclarecer dúvidas importantes para a ideia geral.
É preciso equilíbrio e bom senso.

Benaduce disse...

Prever o, muitas vezes, imprevisível. Essa é a tarefa do matemático e diretor do Instituto para a Proteção e Segurança do Cidadão (IPSC), na cidade italiana de Ispra. Ele e seus colaboradores são acionados praticamente todos os dias por políticos sobre os mais diversos temas, da economia aos desastres naturais. Um erro desta equipe, na avaliação de um possível terremoto na cidade de Áquila, Itália, indicou não haver riscos, quando, de fato, havia, resultando na condenação judicial dos cientistas.

A questão da responsabilidade tem mais de uma faceta. Os cientistas devem, sim, ter mais cautela ao realizarem pronunciamentos. Por outro lado, como afirmou o próprio Stephan Lechner, enquanto ele e seus colegas trabalham com probabilidades, os políticos lhes cobram respostas como “sim” ou “não”, para que tomem decisões. Sem ser novidade na relação cientistas-sociedade, o problema está, sobretudo, na linguagem.

A solução adotada pela direção do IPSC parece a única assertiva possível. Desde a condenação, nenhum dos cientistas faz considerações levianas, sem muita reflexão. Tampouco dizem qualquer coisa sem que a assessoria de imprensa do órgão faça a intermediação. É provável que, deixando de falar em “risco zero”, como o método científico não faz, problemas como Áquila não voltem a se repetir.

Se a questão toda são responsabilidades, o ideal é deixar que cada parte desta seja relegada ao seu especialista. Que os políticos peçam opiniões para grandes decisões, os cientistas ponderem e os comunicadores expliquem aos primeiros o que o segundo grupo quis dizer como resultado da ponderação.