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segunda-feira, 23 de junho de 2008

Falta de políticas públicas aumenta vulnerabilidade social de famílias da periferia

Frio de 8ºC na manhã de segunda-feira e a geada cobrindo de branco os caminhos de terra. Na porta da Escola Municipal Adelmo Simas Genro, região periférica da cidade de Santa Maria, uma parte dos 800 alunos se preparam para mais um dia de aula.

Joyce, 8 anos, franzina e agitada, entra rápido com duas irmãs menores que freqüentam a pré-escola. Uma delas caminha com certa dificuldade. Meia-hora depois, as três choram. São encaminhadas pela estagiária e pela professora ao ambulatório do Posto de Saúde que fica nas dependências da escola. Além do frio, as crianças têm os pés vermelhos e inchados. Uma delas tem três anos e a inflamação ameaça os dedinhos mínimos. A enfermeira começa o atendimento. Da menorzinha são retirados mais de 20 bichos-de-pé, o Tunga penetrans da família dos tungídeos, uma espécie de micro-pulga que se desenvolve na areia, penetra na pele humana e se repoduz a cada três semanas. Se não tratado, pode provocar ulcerações graves, tétano e gangrena.

A tungíase, assim como a diarréia, escabiose, verminoses intestinais, impetigo, micoses cutâneas, doenças venéreas, infecções exantemáticas agudas, resfriados, pediculose, pneumonia, faringites e outras doenças infecciosas e parasitárias fazem parte da rotina diária das famílias das classes populares.

No bairro Alto da Boa Vista, onde se localiza a escola, moram mais de duas mil famílias. A maior parte das ruas não têm calçamento, os esgotos correm a céu aberto, crianças e animais transitam soltos no mesmo ambiente. Além da escola e do posto de saúde, uma creche popular mantida por freiras assegura também o funcionamento uma unidade do CRAS- Centro de Referência da Assistência Social -, que tenta atender a população em situação vulnerabilidade social.

O caso de Joyce não é único ou novo na região. Uma mesma família costuma apresentar, ao mesmo tempo, várias dessas infecções repetidamente. Muitas vezes o serviço de saúde só é procurado quando o caso ultrapassa o nível de tolerância. Profissionais que atuam na região ressaltam a convivência diária da população com as doenças infecciosas corriqueiras. As reações perpassam atitudes de sofrimento, desesperança, resistência, excesso de burocracia, esgotamento.

A equipe de estagiários se choca ao chegar à casa das meninas. São sete filhas a morar em um barraco de três cômodos, com o pai. A mãe foi embora com um companheiro novo. Colchões imundos fazem as vezes de cama. Animais circulam pela casa e pelo pátio infestado de carrapatos e bichos-de-pé. Uma televisão ocupa o centro de atenção da família numa casa em que geladeira não existe, o fogão ainda é a lenha e a luz é ocasional, possivelmente vinda de um "gato", como na maioria dos casebres da região. O CRAS vai tentar uma intervenção judicial, retirando as meninas de casa até o pai resolver o problema da infestação.

O caso da família de Joyce é idêntico ao de muitas outras em situação similar. A ausência de política públicas cujas estratégias metodológicas sejam capazes de fazer os Centros de Saúde saírem para as comunidades e para visitas familiares, continuam uma heresia. Médicos não são formados para o trabalho comunitário, resultados de pesquisas nessa área não retornam com a eficácia e agilidade necessárias, epidemias são tratadas em gabinetes, serviços ambulatoriais e as campanhas de saúde pública interferem apenas pontual e ocasionalmente neste contexto. Na área das políticas públicas não se consegue trabalhar em rede.

No Alto da Boa Vista falta tudo, inclusive cuidar, uma vez que a cura depende do saneamento da miséria.

2 comentários:

Unknown disse...

Realmente... essa situação se escancara cada vez mais na periferia da nossa cidade. Esses tipos de coisas não aparecem na grande mídia. Só mostram coisas boas, obras em benefício da população, pessoas bem cuidadas... E essas crianças passando dificuldades? Não têm que ser mostradas? Pra ver se pelo menos as pessoas de boa vontade ajudam, já que os órgãos competentes fazem de conta que não existem.

Juliane Souza disse...

Realmente é chocante. Enquanto pessoas passam por esse tipo de coisa, os órgãos responsáveis só mostram...
"Obra pronta. Obra bem feita!"

E a assistência??????