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quinta-feira, 21 de maio de 2015

O Pluralismo Jurídico como auto-afirmação dos povos latino-americanos


     A América Latina é um continente caracterizado pela miscigenação de seus povos: diferentes culturas interagem entre si. Frente aos acontecimentos recentes que denunciam, cada vez mais, o descaso com relação aos direitos humanos e a intolerância cultural, cabe a reflexão sobre a desigualdade entre distintas classes socioculturais.  

    Imigrantes bolivianos em situação de trabalho escravo, criminalização do movimento negro, e descaso perante a delimitação de terras para povos indígenas ainda são uma realidade nos países latino-americanos.

         As raízes desse problema social perpassam a própria história do continente. Sob essas perspectivas, o livro "Soberania e Meio Ambiente: A soberania Ambiental vista do lado de cá", trabalha conceitos que entendem a plurinacionalidade, ou seja, a América Latina como um conjunto de culturas e saberes distintos que compõe sua identidade-nação.

        O processo de colonização do Brasil, por si só, já justifica as pretensões iniciais de detrimento da cultura local em favor da imposição dos signos de servidão.  O Brasil nasce à sombra da cruz, que significava o poder da igreja católica. A catequização exerceu-se pela imposição não somente das práticas, mas de uma estrutura social fundamentada em dogmas e leis morais que menosprezavam a pluralidade dos saberes nativos. Os colonizadores e missionários compartilhavam do mesmo estranhamento perante aos cultos dos ameríndios, condenando-os a impressões que eram familiares ao imaginário europeu.   Dessa forma, os europeus se intitularam como epicentro da civilidade moderna, firmando-se nas ideias iluministas para justificar a exportação da sua verdade.

A diversidade cultural frente ao pensamento hegemônico eurocêntrico

     Durante os séculos conseguintes,  o discurso das potências dominantes para justificar sua hegemonia continuaram a tanger o processo histórico.  Não somente do Brasil, mas na América Latina. Segundo o pesquisador em epistemologia e filosofia do direito Boaventura de Sousa Santos, essa predominância cultural nada diz respeito à valorização da pluralidade de saberes.  Assim, ele afirma que o pensamento ocidental moderno divide-se em epistemologia do Sul e do Norte, sendo que a primeira é caracterizada pelas formas de comunicação entre as culturas, rejeitando assim, qualquer forma de monocultura do conhecimento. Já a segunda é a representação do pensamento hegemônico, dito universal.


     As classes sociais excluídas como os negros e índios nativos,  até hoje não têm garantida sua soberania quanto nação. Tão pouco, o reconhecimento de suas contribuições na formação da identidade latino-americana. Neste aspecto, o pensamento ocidental não difere muito do período colonial. 

      O pensamento hegemônico segue desmerecendo a comunicação recíproca e intercultural. Consequentemente, criminaliza qualquer afirmação de autonomia desses povos. Durante o período da ditadura militar, 8.350 indígenas foram mortos em massacres e expulsos de suas terras, a partir de remoções forçadas de seus territórios, segundo relatório da Comissão da Verdade. Em 1966, o Jornal do Brasil publicou uma reportagem afirmando que a extinção das favelas justificava a paralisação de todos os programas de embelezamento urbanístico da cidade do Rio de Janeiro. De acordo com a publicação, não haveria melhor forma de ressaltar o esforço de melhoria da Guanabara do que eliminando o contraste brutal e injusto das favelas com o perfil dos edifícios e a linha da paisagem favorecida.

Uma nova perspectiva ao constitucionalismo Latino-Americano



Lançamento do livro  Soberania e Meio Ambiente
Foto : Arquivo pessoal / reprodução
Faz-se necessário romper com a lógica eurocêntrica de entender o mundo a fim de compreender a América Latina. Rafaela de Cruz Melo, advogada, mestranda e organizadora do livro "Soberania e Meio Ambiente: A soberania ambiental vista do lado de cá", afirma que para os teóricos dos pós-colonialidade, o reconhecimento de povos que foram alijados de decisões, sobretudo políticas no seu continente de origem, pode se configurar como uma forma de contra hegemonia. Contudo, é na estrutura do novo constitucionalismo latino-americano que esses povos excluídos passam a encontrar nas constituições, um canal para que possam valer de seus direitos. Sob a ótica de Boaventura de Sousa Santos, seria uma das formas de revelar conhecimentos e práticas culturais historicamente negadas.

     Nesse aspecto, Bolívia e Equador podem ser considerados precursores no novo constitucionalismo Latino-Americano, que respeita a diversidade cultural presente nesses países. A constituição boliviana de 2009, a qual fora aprovada em referendo popular pela maioria dos votos válidos, tem-se a novidade da refundação do país na forma de um Estado Plurinacional.

      O pluralismo jurídico é, acima de tudo, uma revisão dos direitos que excluíram as diferentes culturas sul-americanas. A desconstrução do pensamento hegemônico deve ser também uma revisão das atuais constituições vigentes, de tal forma, que se garanta a auto-afirmação da diversidade cultural e seu devido espaço numa sociedade democrática de direito.


Daniel de Moura Pinto










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