A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha é uma referência mundial quando o assunto são as questões indígenas. Autora de Direitos dos índios (Brasiliense, 1987) e Cultura com aspas (Cosac Naify, 2009), a pesquisadora busca colocar os povos indígenas brasileiros como agentes de sua própria história. Em entrevista à revista Ciência Hoje ela discute diversos pontos relacionados a questões indígenas.
O título da obra mais recente faz referência a uma distinção feita pela pesquisadora luso-brasileira sobre o termo cultura. Carneiro da Cunha afirma que os antropólogos a entendem como tudo que nos move, desde comida até a religião. “É aquilo que a gente aprende sem perceber e torna-se praticamente uma segunda natureza”, relata. A outra visão de cultura relaciona-se com o sentido pela qual os grupos étnicos estão reivindicando. “O que chamo de cultura entre aspas, não porque não seja absolutamente autêntica, mas pelo fato de ser reflexiva”, esclarece.
Outro aspecto abordado pela antropóloga é a autenticidade em relação ao índio. Segundo Carneiro da Cunha, a palavra autenticidade é cognata da palavra autoridade. Ela aponta que uma sociedade indígena se reconhece e é reconhecida como tendo um vínculo histórico com uma ou mais sociedades pré-colombianas. Essa ligação foi durante séculos motivo de discriminação e trouxe conseqüências a esse povo que escondia seus vínculos com os antepassados.
A autora não considera o termo aculturação correto para definir os povos indígenas que convivem com realidades diferentes da deles. Carneiro da Cunha cita o caso dos líderes indígenas como exemplo contrário a esse pensamento. “Os maiores líderes indígenas tiveram uma trajetória de sair da comunidade, ser educados fora e voltarem”, conta. Para ela, essas pessoas que supostamente teriam sido aculturadas, assumem um papel de destaque numa espécie de revitalização cultural.
A pesquisadora critica a história que, muitas vezes, é contada em escolas sobre os povos indígenas, pois ela era ignorada pelos livros didáticos. Para ela, essas sociedades não foram simplesmente vítimas passivas do progresso e desapareceram como muitos acreditam. “As sociedades indígenas foram vítimas de um genocídio, mas não foram apenas vítimas: foram também agentes da sua própria história e da história do Brasil”, conclui.
Outro aspecto discutido por Carneiro da Cunha são as ciências indígenas. Segundo a antropóloga, elas não são valorizadas como deveriam ser. “Essas ciências são conhecimento que vai sendo produzido e não um tesouro fechado”, afirma. Para ela, é preciso que se tenha instrumentos para não prejudicar o bom funcionamento dessas ciências. “Não se trata só de reconhecer o passado, mas de manter as ciências indígenas funcionando”, ressalta.
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