A experiência vivenciada pela estudante de medicina Mayara Luíza Oliveira da Silva Kist, 23 anos, do 8º semestre do curso da
Universidade de Santa Cruz do Sul, UNISC, com certeza fará um diferencial na sua formação. Ela inscreveu-se para um intercâmbio cultural pela AISEC (Association
Internationale des Etudiants en Sciences Economiques et Commerciales) e foi fornecer tratamento e ajuda médica a uma das populações mais atingidas pelo vírus HIV no mundo. Ela foi para o Quênia, na África, trabalhar em
uma ONG que atende, preferencialmente, crianças e pessoas com HIV
positivo.
De acordo com o site da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, 33,5 milhões de pessoas estão infectadas com o vírus HIV. Dessas, 1,4 milhão estão no Quênia. O país africano tem cerca de 44,1 milhões de habitantes, ou seja, 3,17% da população queniana é HIV positiva. Além disso, são registrados cerca de 80 mil óbitos por ano decorrentes de complicações da AIDS.
A Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, AIDS, é uma doença causada pelo retrovírus HIV. O vírus, por sua vez, ataca o sistema imunológico do infectado, deixando-o suscetível a uma série de outras doenças. “E é alterando o DNA dessa célula que o HIV faz cópias de si mesmo. Depois de semultiplicar, rompe os linfócitos em busca de outros para continuar a infecção.”
A Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, AIDS, é uma doença causada pelo retrovírus HIV. O vírus, por sua vez, ataca o sistema imunológico do infectado, deixando-o suscetível a uma série de outras doenças. “E é alterando o DNA dessa célula que o HIV faz cópias de si mesmo. Depois de semultiplicar, rompe os linfócitos em busca de outros para continuar a infecção.”
Confira
a seguir a entrevista com Mayara, que passou cerca de seis semanas na República
do Quênia e relatou para o Noticiência.
Noticiência:
Como foi a tua recepção por parte dos moradores do país?
Mayara:
Foi muito boa! As pessoas se interessam por turistas, afinal somos a principal
fonte de renda do país e, principalmente, por pessoas que vão lá pra trabalho
social. Eu fui muito bem tratada não só pela família que me acolheu, como pelos
pacientes e colegas de trabalho, claro dentro dos limites de suas culturas.
Noticiência:
Quais eram as funções exercidas por ti? Existia algum tipo de cronograma de
atividades?
Mayara:
Sim.
Eu fazia visitas domiciliares nos pacientes cadastrados na ONG, que são em torno
de 200 famílias de HIV positivos. Nessas visitas conversava sobre o tratamento,
se estava sendo feito em dia e corretamente, prevenção e, principalmente,
suporte emocional, incentivando essas pessoas a viverem positivamente e
seguirem suas vidas apesar das dificuldades (pobreza, fome, exclusão social,
desemprego, analfabetismo, péssimas condições de higiene).
Além disso, ministrava
palestras em escolas, igrejas e presídios, sobre prevenção de HIV e tentando
diminuir o estigma que a população tem sobre esses pacientes. A ONG também
tinha conseguido uma terra para plantio perto da sua sede. Então organizamos um
tipo de serviço para as mulheres, onde elas podiam plantar para sua própria
alimentação e para venda, para manutenção de sua renda. Na sede também,
organizávamos aulas sobre outras possíveis fontes de renda, como artesanato,
produção de cosméticos, etc.
Mulheres plantando Amaranth, planta típica do país, rica em vários minerais como ferro e em proteína. |
Noticiência:
Quais as principais dificuldades encontradas por ti, no ponto de vista
cultural, quanto aos costumes daquela região?
Mayara:
É
difícil conviver num ambiente tão diferente, com tanta injustiça sendo feita,
pobres roubando de pobres. Em vários momentos tudo que eu queria era que as
pessoas que vivem aqui, com tantos luxos, sentissem na pele o sofrimento diário
daquele povo, a fome, a sujeira, a falta de esperança. Apesar dessas dificuldades, eles vivem com um sorriso no rosto, achando que tinham mil
motivos pra me agradecer. Isso certamente me ajudou muito como pessoa! Além
disso, uma das minhas dificuldades culturais era aceitar o machismo do povo. Várias
vezes conversarei com as mulheres e elas pensam como mulheres do ocidente
ocidente. Elas são responsáveis pela casa, comida e filhos e geralmente trabalham
enquanto os maridos só manejam as finanças da casa! E mesmo assim, se uma
mulher chega na sua casa depois de um longo dia de trabalho e encontra seu
marido cozinhando, provavelmente irá pedir separação, pois ele não está
deixando ela exercer seu papel de mãe e esposa.
Noticiência:
E no ponto de vista de uma futura médica, as necessidades da população do
Quênia são muito diferentes do povo brasileiro?
Mayara:
Sim.
No Quênia não existe prevenção ao vírus. Não há clínicas ou qualquer outra
coisa além de hospitais. As pessoas só procuram um médico quando já não há mais
nada para fazer. Elas lutam até o fim e antes da medicina sempre recorrem à
religião. Mesmo que procurassem, não faria muita diferença, pois os hospitais
parecem mais hotéis, sem a menor estrutura para curar até as doenças mais
simples. Além disso, os médicos e enfermeiras se revezam em greves.
Mayara em palestra para alunos em escola queniana. |
Noticiência:
Quantas pessoas fizeram parte deste projeto?
Mayara:
A
ONG tem em torno de dez quenianos fixos e também aceita intercambistas do mundo
todo. Na época que eu fui, havia uma brasileira e um americano, mas já passaram
pessoas do mundo todo por lá.
Noticiência: Houve algum problema na convivência com esta família que te acolheste?
Mayara: O único problema que tive foi um roubo, na última semana. Confiei minha bolsa por 5 minutos a um “amigo” e só no outro dia percebi que ele havia retirado bastante dinheiro da minha carteira. Contei para a pessoa responsável por mim lá, reportamos na polícia e ele foi chamado a depor, mas negou o crime. A polícia nos perguntou se autorizávamos a tortura, para que ele confessasse. Apesar de eu não ter provas quanto ao roubo, eles diziam que minha palavra era a prova suficiente. Não deixamos ser torturado, pois um erro não justifica o outro, mas ao que tudo indica segundo a cultura deles, quando um rumor se espalha que alguém é ladrão, os vizinhos punem com as próprias mãos (e eu realmente vi dois homens serem apedrejados por outros moradores quando foram pegos roubando).
Noticiência:
A experiência foi válida?
Mayara:
Sim!
Foi extremamente importante, muito mais como pessoa do que como futura médica.
Ajudar o outro, mesmo que da forma mais simples, faz nos sentirmos humanos de
verdade e ver o agradecimento daquelas pessoas foi impagável. Hoje em dia sou
uma pessoa muito mais paciente, agradecida e aberta. Lá, além de aprender a ser uma médica mais
humana, pratiquei meu inglês, falar em público em uma cultura diferente, etc.
Noticiência:
Voltarias lá se houvesse uma nova oportunidade?
Mayara:
Com
certeza, voltarei!
Mayara interagindo com crianças quenianas. |
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