O debate em torno da eutanásia reacendeu as discussões no país vizinho, a Argentina. Os pais de um bebê de dois anos pedem uma “morte digna” à filha que está em estado vegetativo desde o nascimento, não chora, não pisca e não se movimenta. O estado de saúde da menina é irreversível, segundo os médicos. Porém, naquele país não há uma lei que regulamente o prática da eutanásia. O mesmo acontece no Brasil que não possui lei específica e, este ato é considerado homicídio.
Aqui, desde 1995 tramita no senado federal um projeto de lei que estabelece critérios para uma “morte sem dor”. A emenda apresentada 16 anos atrás, prevê a possibilidade de que pessoas com sofrimento psíquico ou físico possam solicitar a realização de procedimentos que visem a sua própria morte. O projeto prevê a maneira como a eutanásia deve ser feita: uma junta médica, composta por cinco membros, sendo dois deles especialistas no problema do paciente. Caso a pessoa esteja impossibilitada de expressar a sua vontade, um familiar ou amigo poderá solicitar à Justiça a autorização.
A discussão no Brasil está longe de chegar a um acordo. O debate não tem meio termo. São dois lados bem opostos entre quem defende a vida como um bem supremo, e que sustentam a liberdade de escolha como um direito do paciente. Num deles, a igreja católica defende uma posição radical contra a eutanásia. Na campanha da fraternidade em 2008, o tema era “Escolhe, pois a vida” e se dirigia contra a prática. “É uma solução falsa para o sofrimento”, afirma o padre Gérson Gonçalves. “Não podemos permitir que isso seja normal nem que ocorra de forma natural, é uma prática grotesca, agressiva”, diz o padre que se posiciona contrário à eutanásia. De acordo com preceitos católicos, a vida humana é um bem que prevalece sobre o poder, por isso o embate com o Estado na questão da legalização do procedimento. “Deus dá o dom da vida e somente ele dá o dom da morte, ninguém tem o poder de decidir ou provocar a morte de outra pessoa”, afirma o padre Gerson.
De outro lado, entre os defensores da eutanásia, é difícil encontrar alguém que defenda com tanta ênfase a legalização do procedimento. A psicóloga Maria Amélia Scherer alerta para o sofrimento de ambas as partes: de quem está no estado vegetativo e dos familiares que acompanham o sofrimento do ente querido. De acordo com a psicóloga, o abalo emocional causado nas pessoas que têm familiares em estado irreversível pode ser muito maior do que quem está em coma profundo. “Saber que a própria filha não voltará mais a falar e ter uma vida normal abala qualquer pessoa”, diz Maria Amélia. Ela também faz refletir sobre o lado de quem está vegetando. “Uma pessoa nesse modo não toma conhecimento de nada, mas nem por isso deve sofrer a prática da eutanásia”. Explica ainda que ao optar por realizar o procedimento, se deve levar em conta vários fatores para que não prejudiquem, no futuro, os familiares. “É preciso diálogo, conscientização das pessoas, não estamos lidando com robôs, são vidas em jogo”, diz Maria Amélia.Embora a eutanásia não seja permitida no país, o debate sobre a legalização exige muita reflexão. “Mesmo que seja difícil para quem vegeta e quem cuida, precisamos discutir minuciosamente essa questão, mesmo que ela esteja distante da nossa realidade de ser aceita na sociedade”, afirma a psicóloga.
Na medicina a questão é amplamente discutida. O médico Antônio Pinto afirma que é preciso levar a vida biológica, custe o que custar, até o limite. “Não defendo a prática da eutanásia. No mundo de hoje a medicina avança e sempre surgem “milagres”, afirma o médico que acredita que o paciente pode viver anos, décadas em coma e acordar de repente. “Já presenciei muitos casos de pessoas, inclusive um que chegou a vegetar durante 12 anos e, de uma hora para outra, acordou. “Em outras situações, o acompanhamento médico faz a diferença na recuperação”, diz Antônio.
De acordo com o médico, hoje, com a tecnologia dos aparelhos de suporte de vida, como o respirador artificial, fica praticamente indefinido o tempo pelo qual é possível manter tecnicamente vivo um doente em estado terminal. Em razão da eutanásia ser considerada crime, ele diz que os médicos ficam divididos entre deixar que pacientes sobrevivam nessa condição ou retirá-los dela para que morram brevemente. "O médico se vê sob a espada da Justiça”, enfatiza.
No Brasil, o Estado de São Paulo existe uma lei sancionada pelo então governador Mário Covas que estabelece o direito de um doente terminal recusar o prolongamento de sua agonia e optar pelo local da morte. Covas que morreu com câncer na bexiga, foi beneficiado por esta lei.
Os questionamentos divergem: será que alguém tem o direito de por fim a sua própria vida ou de decidir o fim da vida de outra pessoa? É correto permitir que o doente viva num estado estático de dor e sofrimento? Perguntas como essas persistem e são difíceis de encontrar respostas. “Se a sociedade brasileira não aceita a pena de morte, é óbvio que esta mesma sociedade não pode aceitar a eutanásia, enquanto for um crime sua prática deve ser punida exemplarmente”, conclui o padre Gerson Gonçalves.
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